terça-feira, 18 de agosto de 2009

Você gostaria mesmo de poder "pular" 2009?

Amigos, segue um texto muito bom sobre os desafios de 2009. Vale a pena conferir. É de Betania Tanure é professora da FDC e da PUC-Minas, convidada do Insead e da LBS. Saiu no jornal Valor Econômico de 05/01/2009.


" Dias atrás, eu conversava com um dos fundadores e acionista controlador de uma das empresas mais admiradas do Brasil. Ao falarmos sobre o significado do Natal e da virada do ano, ele fez um comentário intrigante: "Já ouvi várias pessoas dizerem que gostariam de 'pular' 2009. Fico impressionado com isso. Acho um desaforo à vida!"

Convido você, leitor, a refletir comigo sobre essa questão. É certo que, diante de uma situação difícil, de crise, seja natural aquele desejo de que tudo se resolva num piscar de olhos, num passe de mágica. Mas esse mesmo sentimento pode ser imobilizador, nos tornar impotentes e pôr a perder toda uma possibilidade de sermos bem-sucedidos. Principalmente se o desejo tem origem no determinismo, naquela certeza impertinente, "desaforada", de que certas leis são imutáveis e nada se pode fazer para driblá-las.

Portanto, na hora de fazer o balanço do seu ano de 2008 e traçar os planos para a vida pessoal e o trabalho, deixe um pouco de lado essa certeza. Claro que você não deve ignorar os riscos que a crise traz para a economia do país e para as empresas, principalmente devido à complexidade do ambiente externo. Mas analise as possibilidades sob outras perspectivas.

Proponho duas âncoras de pensamento para sua análise. A primeira diz respeito à circularidade dos fatos. Ela é uma força cada vez mais evidente, em todos os sentidos e espaços. O verdadeiro líder influencia decisivamente seus liderados, que optam por segui-lo voluntariamente; por sua vez, ele é influenciado por todos os que lidera, num movimento circular.

Aquele muito diretivo gera subordinados espectadores, com capacidade decisória limitada. Ao delegar para cima, alimenta a diretividade do chefe, e não raramente é preciso alguém externo para "denunciar" essa circularidade perversa, em que um sempre coloca a culpa no outro. Já quando, num grupo, um incentiva e acredita no desenvolvimento do outro, tanto líder quanto liderados tornam-se autônomos e mais confiantes- como pode acontecer na vida pessoal, por exemplo na relação dos pais com os filhos.

Na perspectiva da circularidade perversa, a pessoa tomada pelo sentimento de "pular" situações críticas tende a interpretar qualquer pequena sombra como uma nuvem negra e ameaçadora. Um líder exagera na dose ao criar e aplicar soluções, sua decisão vem acompanhada de graves efeitos colaterais, a situação fica ruim e sua crença se reafirma: "Não falei? Eu devia ter pulado 2009!".

A segunda âncora que proponho refere-se ao nível de realização, de sucesso e de felicidade. A despeito da bem-sucedida carreira, dos prazeres e seduções do glamouroso mundo empresarial, 84% dos executivos de 344 das maiores empresas brasileiras não se sentem felizes ao olhar os resultados do balanço da sua vida pessoal vis-à-vis os da sua vida profissional.

Um dos motivos desse desequilíbrio relaciona-se ao tempo: mesmo dedicando-se 24 horas por dia ao trabalho, é muito presente a sensação de que não se fez tudo. Essa profunda sensação de dívida pode ser acentuada pela dúvida silenciosa sobre a própria competência para lidar com tanta complexidade. Outro fator de tensão são as constantes mudanças, que quando acompanhadas pela falta de confiança ou de paixão pelo que se faz tira o brilho nos olhos, que vemos nas pessoas que se dedicam a uma "causa", a algo que dá um significado especial a sua vida.

Certamente, qualquer um desses desafios pode ser causa de grande tensão para uma pessoa e representar fonte de prazer para outra, mas aqui estamos tratando do que é mais comum no cenário empresarial.

Para avançar na análise que sugeri, e tentando integrar as duas perspectivas apresentadas, pense de que lado você está. Se quiser "pular" 2009, prepare-se para uma agenda negativa, de muitas mudanças, a qual, sob a crença subliminar de que você não tem competência para mudar o rumo das coisas, pode drenar sua energia em excesso, até se você não trabalhar um maior número de horas.

Porém, lembre que, por mais que as condições externas dêem o contorno dos negócios e muitas vezes da sua carreira, o seu grau de autonomia na construção do seu futuro é real e depende da lente que você usa para enxergar o determinismo do mundo, bem como da sua competência para perceber a presença de um raio de sol entre as nuvens.

Para identificar as prioridades e os riscos que vale a pena assumir no caminho escolhido, o autoconhecimento é um elemento fundamental. Se você sabe qual é o seu legado, o mundo empresarial pode ficar não apenas mais leve como muito mais prazeroso para você. Descobrir que o prazer não está apenas em atingir a meta maior- afinal, ela é sempre móvel- e aprender a desfrutar o percurso pode lhe dar mais vida e contribuir para que seus olhos brilhem mais. Não vale colocar a responsabilidade na empresa, na competição típica do sistema capitalista, na crise internacional que se estabeleceu nos últimos meses. Pare e analise o grau de governabilidade que você tem.

Combine com maestria as duas perspectivas fundamentais: gere, com circularidade positiva, um ano que vale a pena viver, aprendendo com as dificuldades e usufruindo do prazer e da alegria de ter autonomia na construção da sua vida."
Betania Tanure

Nenhum comentário: